sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

AS PAISAGENS DE MAÍRA BALDAIA

Jenfs Fotografia.
O primeiro MEDIOPIRA DE 2017 traz uma entrevista muito especial com uma das artistas mais promissoras dos últimos anos: a itabirana Maíra Baldaia. Embora jovem, Maíra se preparou como ninguém, fez teatro, estudou muito, interagiu com meio mundo e seu CD de estreia lançado no final de 2016 figura certamente entre os melhores lançamentos dos últimos anos.  Quem me vê falando assim pensa que estou exagerando, mas não estou mesmo.  As letras, as músicas, os arranjos , tudo é cativante no som dessa itabirana. Portanto, meus amigos: fiquem atentos. Se ela se apresentar perto de vocês, não percam.  Vocês podem estar diante da próxima estrela da MPB. Bagagem pra isso ela tem. Mas vamos à entrevista...

MEDIOPIRA - Quais são as suas influencias primordiais, os sons que ouvia na infância?

MAÍRA BALDAIA - Tenho muitas influências, pois desde muito nova estive em contato com diversos sons por incentivo dos meus pais. Voltando um pouco na memória chego aos discos que mais ouvi quando pequena, entre eles o álbum Circuladô Vivo do Caetano Veloso, ao álbum Monjolear do Dércio Marques e Doroty Marques, ao Sá Rainha da Titane, ao Bisnetos da Família Alcântara Coral Afro. E daí em diante vão se somando várias influências sonoras sejam artísticas ou despertadas por vivências no candomblé/ umbanda, vivências em uma cidade do interior repleta de poesia e ludicidade ou na capital repleta de informações e diversidades. Tudo está à nossa volta, a natureza é uma grande inspiração, as paisagens, as estradas, as fases do sol e da lua. Há música em tudo!

MEDIOPIRA - Como foi a sua trajetória na musica?

MAÍRA BALDAIA - Minha trajetória artística sempre veio traçando um paralelo entre a música e o teatro. Fiz minha primeira participação na música ainda criança gravando no CD Nem Tudo É Verdade do Tony Primo em 1994, lembro que fizemos shows no Rio de janeiro e em Itabira por ocasião do lançamento. Na infância a minha brincadeira preferida era compor, eu tinha um gravador de fitas e ficava criando músicas para depois ouvir. Aos 12 entrei para o teatro, onde redescobri o canto junto a um trabalho cênico e corporal. Mais tarde aos 14 anos eu tive a minha primeira banda de rock autoral ao lado dos amigos João Jardel, Rodrigo e Marina. Foi muito bacana essa fase e o exercício da composição estava presente mais uma vez.  Aos 16 fui estudar teatro no Galpão Cine Horto e depois com o Grupo Ponto de Partida. Também aos 16 integrava o projeto Mineirada e fiz shows em Minas Gerais e Portugal. Comecei a trabalhar aos 17 no projeto Meninos de Minas que foi uma grande influência na minha música, trazendo os ritmos afro mineiros e me aproximando de Maurício Tizumba com quem passei a trabalhar no Grupo Tambor Mineiro e em espetáculos como “Galanga, Chico Rei” de Paulo César Pinheiro com direção de João das Neves e direção musical de Titane. Em 2010 comecei a apresentar em shows o meu trabalho autoral com os shows Flor do Dia e Prosa de Gangas. Em 2012 participei como cantora e compositora do show “Sins – Brasil e Portugal” com direção musical e participação do maestro Jaime Alem. Me formei em Canto na Bituca – Universidade de Música Popular em 2011 e em Teatro na Escola de Belas Artes da UFMG em 2016. De 2006 a 2016, me apresento no meio do ano em Portugal seja com projetos de Cleber Camargo ou com o meu trabalho autoral. Atualmente integro o Grupo Dingoma, o Grupo Tambor Mineiro, faço parte da enRede – Rede Internacional de Municípios pela Cultura  e estou em circulação com meu primeiro disco “POENTE e outras paisagens” lançando em dezembro de 2016.

MEDIOPIRA - O seu nome é Maíra Baldaia mesmo ou é codinome artístico? Qual o significado?

MAÍRA BALDAIA Baldaia não é meu nome de registro, mas pertence à minha família. A minha Bisavó se chamava Maria da Rocha Baldaia e eu quis trazer essa raiz para mais perto de mim adotando seu sobrenome.

MEDIOPIRA - Você começou meio moleca, cabelão meio sarará e hoje exibe um visual mais enxuto, de cabelos curtos, realçando o rosto. Você compõe os personagens (alma camaleoa) ou esses personagens emergem de forma natural?


Crédito foto: Isabela Guerra
MAÍRA BALDAIA - Risos! Sim, tenho a alma camaleoa mesmo! Gosto de mudanças, sempre que algo muda dentro de mim também muda no meu visual e isso reflete diretamente na minha arte, pois trago no meu trabalho a minha verdade. Meu cabelo não era meio sarará, era totalmente sarará, amo meu cabelo crespo e volumoso seja solto ou trançado e em breve vou voltar a usá-lo. Assumir esse cabelo natural faz parte de todo um processo de identidade, de representatividade, de aceitação das raízes afro brasileiras e entendimento de que as belezas fora dos ditos “padrões” são belas. Algo que aprendi é que quanto mais você se ama mais bonito e autêntico você é, não é questão de estética, é questão de amor-próprio e até de política. Hoje estou careca e platinada e já tive com o cabelo azul também. O cabelo curto traz uma liberdade e praticidade que gosto muito. Gosto de me transformar, faz parte da minha essência.


Créditos foto: Paulo Abreu
MEDIOPIRA - É claro que a gente percebe no seu som a ancestralidade dos tambores negros , mas também senti uma coisa mais contemporânea meio blues urbano. Estou enganado?

MAÍRA BALDAIA - Sim, meu trabalho mistura várias referências. É uma profusão de cores por assim dizer, tem congado, tem jazz, tem blues, tem samba. Acaba sendo definido como música popular brasileira, mas sobretudo como uma música do mundo.

MEDIOPIRA - No seu novo CD, você demonstra que é bem mais que uma cantora bonita. Poente é uma letra muito boa. Seu disco tem outras letras também cheias de achados poéticos. Você acha que letra de música é poesia?

MAÍRA BALDAIA - Sim, pelo menos pra mim a música e a poesia estão totalmente ligadas. Gosto muito de escrever, algumas das músicas nascem primeiramente na poesia e só depois ganham melodias. As minhas músicas trazem o lugar de enunciação da mulher, sobretudo da mulher negra. Falam do nosso cotidiano, das alegrias, das tristezas, dos amores, das lutas, dos olhares sobre o mundo. que Eu não estou sozinha nessa estrada, tem diversas mulheres na composição mostrando suas vozes, quebrando padrões e mostrando através de suas canções que temos trabalhos potentes e de qualidade.

MEDIOPIRA - Você saiu de Itabira e mudou-se pra BH. O que você levou de Itabira pra BH e o que leva de BH pra Itabira?

MAÍRA BALDAIA - Me mudei de Itabira com 16 para 17 anos para buscar em Belo Horizonte estudo, trabalhos, contatos na arte. Nisso acabei ganhando grandes parcerias de arte e de vida. De Itabira veio toda poesia que corre em minhas veias, todas as minhas primeiras experiências na arte e, principalmente, um olhar sensível ao entorno. Isso me acompanha sempre. Em BH desenvolvi esse olhar sensível, me formei e comecei de fato a viver de arte, um caminho difícil, mas do qual não consigo me ver sem. Os aprendizados vividos nas duas cidades permanecem comigo em trânsito, estou sempre nessa ponte entre a capital e a cidade natal.
Foto: Pedro Viotti.

MEDIOPIRA - Pesquisei um pouco e vi que vc tem uma forte ligação com os movimentos negros, principalmente com a religiosidade. Isso continua fazendo parte da sua vida?

MAÍRA BALDAIA - Sim, isso está totalmente ligado à minha vida. Acredito na força da coletividade que aprendemos com nossos ancestrais.Eu caminho para ser melhor dentro de um todo. Eu luto através da arte e do amor para que sejamos todos iguais, cada um com suas particularidades, mas com direitos na mesma medida. E quanto à religiosidade, está tudo aí na natureza, as forças que precisamos estão a nossa volta, a proteção que acredito vem de algo maior e ancestral.

MEDIOPIRA - Seu CD faz uma ponte entre o passado e o presente, promove o diálogo do tambor com a guitarra elétrica e o som ficou bem orgânico. Foi você quem produziu, escolheu repertório e roteiro?

MAÍRA BALDAIA -Esse paralelo entre o ancestral e contemporâneo é presente no meu disco por ser também presente na minha vida. Está tudo ligado, eu como ser que vive as questões de uma sociedade pós-moderna conto com um olhar aprofundado nas raízes e nas tradições orais. Trago aprendizados que vem das mulheres matriarcas da minha família e também que vem da minha irmã mais nova. Tudo é uma coisa só e reflete no meu trabalho enquanto estética, conceito, estilo. Sim, eu assino a direção artística desse disco, eu produzi e escolhi o roteiro que traça uma dramaturgia que vai do amanhecer ao anoitecer, mas tive a direção musical generosa e extremamente necessária do Clayton Neri. Além da direção do Clayton, tenho ao meu lado as musicistas Débora Costa, Larissa Horta e Verônica Zanella que dividem comigo esse fazer, pensando, se envolvendo e criando juntas esse filho chamado “POENTE e outras paisagens”.  Os arranjos são assinados por Verônica Zanella, Clayton Neri e Alysson Salvador.

MEDIOPIRA - No disco vc teve a presença de músicos especialmente convidados. E tem os músicos parceiros habituais que lhe acompanham nos shows. Quem seriam esses músicos?

(Créditos da foto: Tásia d'Paula)
MAÍRA BALDAIA - Sempre me acompanham nos shows e também gravam o disco ao meu lado as musicistas Débora Costa (percussão e bateria), Larissa Horta (contrabaixo e vocais) e Verônica Zanella (violão, guitarra e vocais). Esse trabalho é fruto de uma parceria muito forte e sensível com essas três musicistas, um processo com muito amor envolvido. No álbum, que foi gravado no Estúdio Engenho em Belo Horizonte e foi gravado, mixado e masterizado por Andre Cabelo, eu tenho as participações especiais de Alysson Salvador (guitarra em Espelho D'água e violão em Negra Rima), Bia Nogueira (vocais em Negra Rima), Caetano Brasil (clarinete em Ensaio sobre o amanhecer e Pororoca), Maurício Tizumba (vocais em De chegada em canto), Nath Rodrigues (violino em Insubmissa e Só por um instante). São todos artistas negros que admiro e com os quais compartilho afinidades musicais na cena artística mineira. Dentre eles, Tizumba, que abre o CD com sua participação, foi um dos mestres que tive na música e no teatro e Alysson, Bia, Caetano e Nath são artistas que abraçam meu disco com profunda generosidade e que são referências pra mim no que tange ao fazer musical que une técnica e alma. Além desses artistas, o nosso diretor musical Clayton Neri, que é músico/ professor/ diretor/ arranjador virtuoso e que ama profundamente o que faz na arte, nos presenteia com duas participações nas faixas “Ensaio sobre o amanhecer” e “Axé”.


MEDIOPIRA - Principalmente na música “Ensaio sobre o amanhecer” o clarinete tem uma importância enorme, assim como a cuíca,  não só pela  execução mas pela presença. O que inspirou essa música?

Foto: Larissa Horta
MAÍRA BALDAIA - O clarinete é participação especial do músico Caetano Brasil. e a cuíca é executada com maestria pela minha parceira de caminhada a percussionista Débora Costa. Caetano é um músico que mistura em seu trabalho tanto a virtuosidade da técnica quanto a sensibilidade da prática. Ele toca com a alma e foi mto especial contar com a sua participação. Débora é integrante da banda que me acompanha a mais tempo. Está comigo desde o início. nos entendemos musicalmente só pelo olhar. Há uma interação muito forte entre nós. A cuíca e o clarinete em "Ensaio sobre o amanhecer" dialogam com a voz de forma marcante. É um encontro de timbres! Essa é uma música que fiz na estrada entre Lisboa e Porto em Portugal. A estrada é grande inspiração pra mim.  


MEDIOPIRA - As fotos para o CD foram capítulos à parte. De quem foi a concepção visual? Onde foram feitas as fotos? 


MAÍRA BALDAIA -As fotos foram pensadas por mim e pela fotógrafa Jenfs Martins, que é uma profissional com um dos olhares mais sensíveis que já vi. Na arte gráfica tenho o trabalho belíssimo de Gabriela Brasileiro e Matheus Fleming. Essa equipe é responsável pela concepção visual do meu disco, fui muito feliz na parceria com esses profissionais que entenderam na medida certa a identidade das minhas canções. O local foi indicação da musicista e parceira de composição Isabela Guerra, é um pequeno paraíso escondido em Belo Horizonte no bairro Belvedere de onde se tem uma vista maravilhosa para o pôr-do-sol.

MEDIOPIRA - Você lança seu CD num momento em que o mercado anda meio avesso aos trabalhos autorais. Os promotores de shows e até de espaços culturais e bares dão preferência a música cover, principalmente do gênero sertanejo. Como você pretende fazer pra driblar essa preguiça mental e essa resistência ao novo?

MAÍRA BALDAIA - Bom, não pretendo driblar o mercado, pretendo continuar espalhando a minha arte por onde for. Não sei se o percebo tão avesso assim ao trabalho autoral, apesar de ter noção de que o meu disco não está necessariamente inserido em determinados padrões, mas tem um cenário muito interessante da música independente que cresce cada vez mais no Brasil. A resistência e as dificuldades sempre estarão postas à nossa frente, nos resta caminhar e trabalhar para que nossa música chegue às pessoas. Apresento um trabalho com muita verdade, um trabalho autoral, um trabalho independente que fala por si, aonde chegarei com ele ainda não sei, mas se eu conseguir tocar as pessoas que ouvirem ao ponto delas também desejarem “espalhar essa palavra” para outras pessoas já está iniciada a rede. Acredito nas conexões.

MEDIOPIRA - Além do seu projeto do CD, você tem trabalhos paralelos. Fale um pouco sobre esses projetos e parcerias.

MAÍRA BALDAIA - Além do meu trabalho autoral, eu toco nos grupos Tambor Mineiro e Dingoma, sendo também atriz e arte educadora. Também dialogo de forma mais intimista com a poesia, com o cinema e com a pintura.

MEDIOPIRA - Quem quiser contratar o seu show tem de falar com quem? Deixe seus contatos pro pessoal.

Foto: Carol Reis
MAÍRA BALDAIA - Quem quiser contratar o show pode entrar em contato com a nossa produção através do e-mail contatomairabaldaia@gmail.com . Será um prazer levar esse pôr-do-sol para outros cantos.






Foto: Larissa Horta
MEDIOPIRA - Quem quiser adquirir o seu belíssimo CD tem de fazer o que? Onde tem pro pessoal que não puder adquirir poder conhecer seu trabalho?

MAÍRA BALDAIA - Para adquirir o CD físico basta entrar no site www.mairabaldaia.wixsite.com/baldaia e na aba POENTE encontrará todas as orientações. Também pode nos enviar mensagem na página do facebook (facebook.com/mairabaldaiafanpage). Além disso, o disco está disponível no meu canal no YouTube https://www.youtube.com/watch?v=VLAF0OZfwLI  e no Soundcloud, se inscreva no nosso canal e acompanhe todas as novidades.